Elas marcham contra o Fascismo.
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Esse texto é para mostrar como uma série de fatores, encorajados repentinamente por discursos de ódio, são sintomas de um fascismo que chega como um câncer e se instala aos poucos, mesmo que nos lugares mais puros, e onde a gente menos espera.
Tenho 34 anos, sou brasileiro, paulista, natural do litoral de São Paulo.
Sou de família de classe média alta, cresci num apartamento em frente à praia e sempre frequentei as melhores escolas. Estudei inglês, alemão, italiano, espanhol e japonês. Fiz cursos de informática, intercâmbio nos EUA, na Europa e ainda cursei faculdade particular em São Paulo.
Meus pais, as duas melhores pessoas que conheço, também me transmitiram ótimos valores desde criança. Aprendi a ter compaixão, a ajudar ao próximo, a ser honesto, íntegro, transparente, a tratar todos de forma igual, independentemente de classe social, cor da pele, nacionalidade ou religião.
Meu pai começou de baixo, como entregador em uma multinacional aos 13 anos, onde fez carreira e pôde aposentar-se cedo. Minha mãe foi mãe aos 16, mas depois de alguns anos dedicando-se à maternidade finalizou quatro cursos universitários e virou professora de história.
Quem conhece meus pais sabem da índole deles. Sempre ajudando instituições de combate ao câncer juvenil, constantemente doando dinheiro e roupas a crianças carentes, sem contar os auxílios que deram a várias pessoas conhecidas que não tiveram a mesma sorte.
Por exemplo, pagaram cursos e faculdades dos filhos das empregadas domésticas; ajudaram em reforma das casas e tratamentos de saúde de funcionários do prédio onde moram; financiaram os estudos das crianças de rua que dormiam na casa praça do bairro; entre outras coisas.
Amigos, então, eles têm aos montes: ricos, pobres, brancos, negros, asiáticos, paulistas, sulistas, nortistas, nordestinos… Meus pais sempre foram os mais queridos por onde passaram.
Politicamente, a família sempre foi centro-direita. Desde que me entendo por gente, vi meu pai apertar o 45 nas urnas e defender veemente estratégias políticas do PSDB. O PT sempre lhe soou como um adversário incansável, enquanto Lula era figura que trazia repúdio.
Falar de Lula, nos almoços e jantares da família, era deixar o chefe da casa irado. Um de seus principais amigos era um pernambucano petista, que quando sentia ele me cutucar com o cotovelo já sabia que viria, em seguida, um “e o Lula?” em tom de piada.
A sequência era balela: meu pai, rosto vermelho, discursando inflamado sobre “como o PT e sua quadrilha dilaceraram a economia e tomaram de assalto os cofres públicos”, prontamente rebatidos com uma risada em sotaque nordestino, que repetia “mas e a privataria tucana…”. Depois, o final acabava em pizza, cerveja, futebol e risadas.
Ao longo dos anos, a ira do meu pai contra o PT e Lula só foi crescendo, tornando-se, aos poucos, algo incontrolável. A ponto de comemorar a prisão do ex-presidente com fogos e ignorar escândalos de corrupção no PSDB, tão grandes, ou até maiores, que os da esquerda. As coisas mudaram tanto dentro de casa que 2018 foi um ano totalmente diferente.
As discussões de sempre, antes baseadas em privatizações e estatizações, políticas públicas, sociais e econômicas, programas de transferências de rendas e diminuição de impostos, entre outros, ficaram no passado. Saudáveis e bem-vindos diálogos por diferenças políticas não existem mais.
No primeiro turno, meus pais foram 45 mais uma vez. Não deu para o candidato deles, que não pensaram duas vezes na opção do segundo turno. PT JAMAIS! Foi quando eu vi o quanto um discurso de ódio transforma, a ponto de trazer facetas até então desconhecidas, imundas.
Meu pai, aquele mesmo sujeito de coração gigante, que passou a vida ajudando ao próximo, era OUTRO ao ver o PT novamente no segundo turno no último domingo, enquanto acompanhava as notícias pela televisão. O velhinho bonzinho deu lugar ao vigilante fascista, ser superior da ala rica do país.
“Deviam separar o Nordeste do Brasil! São Paulo seria um país de primeiro mundo!”.
“Por mim, separava hoje desses nordestinos, que só vêm para cá atrás de emprego!”.
Minha mãe, a professora que sempre é escolhida paraninfa dos alunos, mulher querida por todos, carismática, só sorrisos, cheia de amigos, abastecia ao fundo como um isqueiro no caldeirão de gasolina que são as novas ideias do marido.
“Isso mesmo, amor! Chega dessa roubalheira do PT! O Lula quer governar da cadeia! Esses bandidos precisam morrer”.
“O Bolsonaro falou aquelas coisas brincando sobre os negros e as mulheres! Ele vai acabar com a corrupção! O que importa é tirarmos o PT do poder, o Lula nos colocou no buraco!”.
Encorajado pela esposa, meu pai só inflamou o próprio discurso:
“Não tem que ter mesmo livros ensinando homossexualidade às nossas crianças nas escolas, isso é um absurdo! Onde já se viu, criança gay!”.
“O regime militar não torturou ninguém, nunca passei por nada disso! E quem passou, mereceu, como a Dilma e aqueles guerrilheiros!”.
E só piorou:
“Outro dia, quase bati mesmo em uma mulher que mora aqui na rua, você não sabe como ela agiu! Às vezes, mesmo que seja mulher, merece apanhar!”
E assim foi o último domingo naquela casa onde antes as diferenças passavam longe… Domingo de ÓDIO.
Ali, caiu minha ficha: o ódio pelo PT é TANTO, que meus pais não querem saber se é misógino, racista, adepto de tortura, com tendências ao militarismo, contra a liberdade de expressão e imprensa, ameaçando aquilo que temos de mais importante, a nossa democracia, as nossas liberdades individuais de poder apenas DISCORDAR.
O ódio chega a ser tão grande, que transforma.
O ódio faz pessoas boas virarem ruins, ao ponto de um senhor conhecido por sua boa índole justificar, cheio de razão, uma eventual agressão a uma mulher, ou em separar o Brasil em dois, danem-se os tantos amigos nordestinos que fez pela vida – incluindo até os próprios pais, no caso, meus avós.
Essa é a diferença dessa eleição para todas as outras que já vivemos no Brasil, e que as pessoas, cegas pela raiva, não estão vendo. Não é mais uma disputa política, e sim uma guerra, onde o único combustível é o ódio. Que é tanto, que esquecemos que ódio é um sentimento passageiro.
Mãe, pai, de coração, sei que vocês não são essas pessoas asquerosas que deram as caras nesse último domingo. Do fundo da alma, não acho que vocês sejam fascistas. Só estão consumidos por essa onda de ódio que atingiu a todos neste país.
Da minha parte, mãe e pai, entendam: se a vida me der CEM eleições, e as CEM forem contra um candidato racista, misógino, homofóbico e opressor, em CEM eu votarei pela DEMOCRACIA, pelo ESTADO DE DIREITO, pelas LIBERDADES INDIVIDUAIS. Mesmo que nas CEM meu voto seja ao PT. Mesmo que, neste momento, a democracia represente um candidato de um partido marcado por corrupção.
Sabem por quê?
Por causa de vocês!
Mãe, pai, por conta de vocês eu cresci em uma casa cheia de AMOR, com ensinamentos de AMIZADE e COMPAIXÃO. Aprendi, com vocês, que todos são IGUAIS, independentemente de raça, religião ou classe social. Por conta desses VALORES, jamais poderei votar em alguém que é contra a VIDA HUMANA em todas as suas formas.
Da minha parte, tenham a certeza que POR TODA A VIDA vou agir em prol desses valores que vocês me ensinaram. Também aprendi com vocês ao longo dos anos que POLÍTICA a gente DISCORDA, DISCUTE e depois come uma pizza, toma cerveja e toca o barco.
Claro, devo lembrar aqui que vocês também me ensinaram valores como HONESTIDADE. Mas, mãe e pai, da minha parte, JAMAIS vou me corromper, vocês sabem, e me manterei fiel à minha integridade. E posso garantir que, em um país de corrupção enraizada na população, para sempre irei DENUNCIAR e COMBATER esse mal, um a um, todos os dias.
Desta vez, infelizmente, NÃO VAI DAR para ser pelo voto. Outro mal maior se aproveitou da situação e apareceu, e este deve ser impedido antes que seja TARDE DEMAIS. É escolher um mal menor ante um mal IRREVERSÍVEL.
Mãe e pai, eu lhes garanto que:
Racismo…?
Misoginia…?
Ignorância…?
Tortura…?
Opressão…?
Enfim, o fascismo em todas as suas formas…?
Tudo isso é absolutamente CONTRA todos os VALORES que vocês me ensinaram.
O FASCISMO, quando ele finalmente dá as caras, CORROMPE todos aqueles que a gente ama. E não falo aqui de corrupção pelo dinheiro, e sim DA ALMA.
Mãe e pai, contra isso, só nos resta RESISTIR e LUTAR.
E não confundam COMBATE com LUTA.
Combate tem hora para acabar…
Já a LUTA é para uma VIDA INTEIRA.
Pela democracia e pelos valores que vocês me ensinaram, SEMPRE.
Mesmo que, desta vez, eu precise enfrentar vocês no campo de batalha…
#EleNunca
*AUTOR DESCONHECIDO